Gestão da Inadimplência

Inadimplência não acontece por acaso. É falta de estratégia

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Dorival Machado
Dorival Machado
Instrutor

Há quem trate a inadimplência como se fosse uma fatalidade. Algo que “faz parte” do negócio, uma consequência inevitável do cenário econômico, do perfil do cliente, da taxa Selic (14,75%) ou da sazonalidade. Mas, depois de mais de 30 anos atuando na gestão da inadimplência, posso afirmar com segurança: inadimplência alta, na maioria dos casos, é reflexo direto de falta de uma estratégia sólida.

A inadimplência não acontece por acaso. Ela é resultado da forma como a empresa se posiciona diante do crédito que concede, da forma como se comunica com seus clientes, da maneira como organiza sua cobrança e, principalmente, da ausência de uma política clara e bem executada.

O erro começa antes da dívida vencer

Em muitas empresas que atendo, a cobrança começa quando a dívida já venceu. Isso significa que todo o potencial preventivo foi desperdiçado. A cobrança precisa começar bem antes do vencimento. A régua de cobrança precisa ter ações graduais, assertivas e bem planejadas. Não adianta lembrar o cliente apenas quando ele já deixou de pagar. A prevenção sempre custa menos do que a recuperação.

Além disso, vejo equipes inteiras atuando como se o único caminho fosse oferecer vantagem financeira ao inadimplente. Em algumas consultorias que fiz havia até o hábito de se conceder descontos (que deveriam incentivar a adimplência) sendo praticados até depois do vencimento. Mas a questão raramente está apenas no valor. Ela está na ausência de processo, de acompanhamento, de inteligência na negociação.

Sinais claros de que falta estratégia

Veja alguns sintomas recorrentes em empresas que enfrentam inadimplência crônica:

  • Não existe uma régua de cobrança estruturada. A comunicação com o cliente inadimplente é desorganizada, com mensagens que variam entre canais, profissionais e abordagens.
  • A cobrança depende de pessoas, e não de processos. Se uma peça-chave sai da equipe, tudo desanda. Isso mostra que não há padronização e cada um faz do seu jeito.
  • Os indicadores (quando existem) não são analisados com frequência. A empresa não sabe responder rapidamente: qual é a taxa de reincidência após renegociação? Qual é o tempo médio de recuperação? Quem são os clientes que mais devem? Quais canais funcionam melhor?
  • As políticas de crédito e cobrança não se conversam. Muitas vezes, a empresa facilita demais para vender (principalmente no final do mês) e depois cobra com dureza - uma incoerência que gera ruído com o cliente e prejudica a reputação.

Estratégia é decisão antecipada

Ter uma visão estratégica sobre inadimplência é agir antes da dor, e não depois. É decidir com antecedência quais serão as faixas de atraso, os canais de cobrança, os scripts utilizados, os critérios (e alçadas) para negociação, os descontos máximos, a escalada da cobrança jurídica - tudo isso precisa estar definido e documentado.

E mais: estratégia se faz com dados. Decisões baseadas em achismos e “sensações” são perigosas. Os números precisam orientar o trabalho: quantas promessas de pagamento são cumpridas? Qual o índice de recuperação por faixa de atraso? Qual membro da equipe tem maior taxa de acordos efetivados? Qual é o índice de efetividade da área?

Uma política bem desenhada, uma régua estruturada, um sistema que dê efetividade e uma equipe treinada transformam a cobrança em uma ação planejada de relacionamento e de recuperação de receita, e não em jogo de acerta e erra.

Resultados que comprovam o caminho certo

Tenho auxiliado empresas que, ao implantar um modelo estratégico de cobrança, conseguiram resultados rápidos e consistentes. Uma instituição de ensino que atendi reduziu a inadimplência de 17% para 3% em menos de seis meses, apenas com a implantação de políticas claras, roteiros padronizados, uso de indicadores de desempenho e um adequado sistema de cobrança. Isso significou alguns milhares de reais recuperados.

Em outro caso, apenas uma das sugestões implementadas gerou uma recuperação de R$ 900 mil em um único mês, sem precisar aumentar o número de cobranças ou contratar novos profissionais. O segredo estava no método, e não na força.

Conclusão: pare de procurar culpados e comece a ajustar o plano. Na contracapa do meu livro Em busca da Inadimplência Zero eu digo “tem que parar de reclamar e sim agir”.

Se a sua inadimplência está alta, a pergunta não deve ser “o que os clientes estão fazendo de errado?”, mas sim: o que a minha gestão ainda não está fazendo certo?

A boa notícia é que a mudança não exige grandes investimentos, e sim clareza, decisão e consistência. Inadimplência se reduz com estratégia - e estratégia se constrói com método, disciplina, visão de longo prazo e ação. Mãos a obra!


Dorival Machado
Dorival Machado
Instrutor